# 546



"Guardamos tudo, porque tudo nos parece tão importante. Vivemos em estado permanente e exaltado de paixão. Só que essa paixão concretiza-se num amor disperso, que atinge tudo com a mesma intensidade: uma música ouvida pela primeira vez, um quadro que se descobre numa revista, um poema mostrado por um amigo, um sorriso de um quase desconhecido, um reflexo numa janela, um beijo de um namorado, o planar de um pássaro, o ruído metálico de um balancé enferrujado a bailar ao sabor do vento, a matiz do azul do mar num determinado momento, uma conversa na escuridão, o prazer momentâneo de um cigarro ou de um copo de vinho ou de um pedaço de chocolate ou de um pastel de nata, uma carícia inesperada, uma mensagem no telemóvel, o riso de uma criança. Compreendes? Tudo é passível de despoletar paixão. Ou se preferires: tudo é um pretexto. Pretextos para ser feliz. Ou para tentar, pelo menos."

Texto: Paulo Kellerman
Foto: Sílvia Bernardino

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